O Semiárido
Segundo dados oficiais do Ministério da Integração, o Semiárido
brasileiro abrange uma área de 969.589,4 km² e compreende 1.133 municípios de
nove estados do nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí,
Rio Grande do Norte e Sergipe e o norte do estado sudeste de Minas Gerais.
Nessa região, vivem 22 milhões de pessoas, que representam 11,8% da população
brasileira, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
O Semiárido tem a maior parte do seu território coberto pela
Caatinga -, único bioma exclusivamente brasileiro -, rico em espécies
endêmicas, ou seja, que não existem em nenhum outro lugar do mundo. A
composição florística da Caatinga não é uniforme em toda a sua extensão.
Apresenta grande variedade de paisagens, de espécies animal e vegetal, nativas
e adaptadas.
Outra característica, é o
déficit hídrico. Mas, isso não significa falta de água. Pelo contrário, é o
semiárido mais chuvoso do planeta. A média pluviométrica vai de 200 mm a 1000
mm anuais, dependendo da região. Porém, as chuvas são irregulares no tempo e no
espaço, isso significa que em períodos de inverno (como são chamadas na região
a épocas das chuvas), chove em um único mês uma quantidade que poderia ser
distribuída em três meses. Além disso, a quantidade de chuva é menor do que o
índice de evaporação, que é de 3 mil mm/ano, ou seja, a evaporação é três vezes
maior do que a de chuva que cai.
Essa
concentração rebate também na questão da água, apresentando reflexos em
diversas dimensões da vida das pessoas. Atualmente 67% das famílias rurais nos
estados que compõem o Semiárido não possuem acesso à rede geral de
abastecimento de água, sendo que 43% utilizam poços ou nascentes, e 24%
utilizam outras formas de acessar a água, que compreendem inclusive, buscas em
fontes distantes, com longas caminhadas diárias, para o uso de uma água muitas
vezes inadequada ao consumo humano.
Nesse contexto, a
dificuldade no acesso à água, que em parte seria resultado do índice
pluviométrico e da elevada taxa de evapotranspiração, é consequência, mais do
que tudo, de uma política concentradora da água, através da qual uns poucos e
privilegiados detêm a posse e uso de quase toda a água do Semiárido, enquanto
outros morrem de sede.
Apesar do enorme potencial, o Semiárido é marcado por grandes
desigualdades sociais. Segundo o Ministério da Integração Nacional mais da
metade (58%) da população pobre do país vive na região. Estudos do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef) demonstram que 67,4% das crianças e
adolescentes no Semiárido são afetados pela pobreza. São quase nove milhões de
crianças e adolescentes desprovidos dos direitos humanos e sociais mais
básicos, e dos elementos indispensáveis ao seu desenvolvimento pleno.
As contradições e injustiças que ocorrem
na região podem ser percebidas na distribuição e no acesso à renda, que
refletem também em uma forte desigualdade de gênero. Metade da população no
Semiárido não possui renda ou tem como única fonte de rendimento os benefícios
governamentais (Bolsa Família). Essa realidade é calculada pelas estatísticas,
é o reflexo de milhões de vidas que lutam cotidianamente sem o acesso aos
direitos sociais e humanos mais fundamentais.
A
Seca
Associado a estas questões está a SECA
como principal protagonista. O fenômeno das
secas no Semiárido se dá por causas naturais. Historicamente há o primeiro
registro de seca feita pelo padre Fernão Cardin
em 1583: "…uma grande seca e esterilidade na província e que 5 mil índios
foram obrigados a fugir do sertão pela fome, socorrendo-se aos brancos". Desde
então a região já enfrentou dezenas de secas, com pequenos períodos (02
anos), ou grandes secas como a de 1979 à 1983 que durou cinco anos e trouxeram como consequência fome e êxodo da
população rural que era desprestigiada pela ações governamentais, contando
apenas com a intenções da igreja que amenizavam na fé o sofrimento cotidiano.
A seca não é somente um fenômeno
ambiental com consequências negativas, trata-se de um problema de distribuição
dos recursos naturais, sobretudo da água, mas também sempre causou grande
disparidade social. Prova disso nos conta os registros do Departamento Nacional
de Obras Contra a Seca – DNOCS que foi instituído em 1909 com o objetivo de
construir grandes obras de enfrentamento à seca para garantir água a todos/as
da região chamada de Polígono das Secas e que no exercício da má distribuição
“premiava” com a até 70% do orçamento da obra, fazendeiros e prefeitos que
solicitavam essas obras em suas propriedades.
Conhecidos como “Os
Industriais da Seca” esses se utilizam da calamidade para conseguir mais
verbas, incentivos fiscais, concessões de crédito e perdão de dividas valendo-se da propaganda de que o povo estava
morrendo de fome.
Junto à isto, está o voto de cabresto, no qual as verbas vindas em prol da seca são desviadas e
usadas pelos "Industriais da Seca", para compra de votos, fazendo com
que seus trabalhadores votem no político
o qual lhe repassou o recurso. Essa "indústria" aumentou ainda mais
as disparidades entre proprietários e trabalhadores rurais. Essa situação
serviu para preservar o coronelismo e muitas vezes reforçar o clientelismo.
Algumas soluções para à seca foram formuladas, entretanto, têm-se interesse na
continuidade do problema, para que a população continue apoiando os políticos
através da venda de votos.
Convivência com o Semiárido
Brasileiro.
Nadando contra a maré, a sociedade civil
organizada atuante no meio rural, empenha-se em uma proposta de
sustentabilidade social e preservação ambiental. A estratégia tem sido
defendida por aqueles e aquelas que rejeitam a ideia da inviabilidade da região
e postulam a convivência com o semiárido como alternativa à estratégia de combate
a seca, considerando o ambiente a partir dos seus agroecossistemas e tendo como
principais protagonistas os/as agricultores/as familiares.
Nesse sentido, surge a
necessidade de debater efetivamente a reforma agrária, o fomento e o estímulo
ao desenvolvimento de tecnologias sociais para o manejo dos recursos hídricos e
alimentos (além das políticas ineficientes e inadequadas em irrigação), bem
como o estímulo a uma produção agropecuária contextualizada e apropriada ao
ecossistema local. Também parece ser necessário rever os aspectos normativos, o
perfil político e tecnoburocrático das instituições e agentes que gerenciam as
políticas públicas na região do semiárido.
A construção da proposta de convivência com o semiárido
tem sua gênese nas iniciativas dos sindicatos de trabalhadores/as rurais, nas
organizações não governamentais, nas associações e cooperativas de base rural e
nas igrejas católicas e evangélicas, essas
veem desenvolvendo projetos nas áreas de recursos hídricos, produtivas e
socioculturais desde a década de 1970. A proposta ganhou impulso significativo em
1999, com o surgimento da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), com a missão de fortalecer a sociedade civil na construção de
processos participativos para o desenvolvimento sustentável e a convivência com
o Semiárido referenciados em valores culturais e de justiça social.
Fruto
dessa articulação, foram formulados e estão sendo implementados os Programa de
Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Um Milhão de
Cisternas Rurais (P1MC) e Uma Terra e Duas Águas (P1+2). Com a participação da
sociedade civil e a articulação de diferentes órgãos e esferas governamentais,
esses programas veem estabelecer um processo de mobilização e capacitação das
famílias, abordando questões de convivência com o semiárido como, gerenciamento
de recursos hídricos, segurança alimentar e nutricional, cidadania, relações de
gênero, raça e etnia, e estocagem para ração animal. Essa iniciativa pretende
garantir o acesso à tecnologias sócias de captação e armazenamento de água de
chuva.
A
valorização da captação e armazenamento adequado da água de chuva é apenas o
início de uma mudança cultural que se pretende construir na região. Embora tenha
mais espaço entre organizações da sociedade civil, a perspectiva da convivência
com o semiárido começa a perpassar programas governamentais e torna-se leis de
políticas publicas. Percebe-se, no entanto, que a institucionalização do
discurso da convivência ainda não foi suficiente para promover as mudanças
efetivas na intervenção governamental naquela realidade. Apesar da abertura ao
debate sobre alternativas para convivência, o governo demonstra, muita vezes,
maior interesse com as alternativas de racionalização dos custos dos programas
governamentais na região do que com a efetiva implementação de ações
inovadoras.
Mesmo
assim ações estruturantes veem sido solicitadas junto aos governos nas esferas
federal e estaduais que timidamente vem sendo atendidas, porém com um caráter
emergencial de Combate a Seca. Os programas e políticas governamentais ainda
não conseguem conceber e não adotam o conceito de convivência. Nunca
construíram um programa ou plano de convivência que anteceda as causas naturais
provocadas pelas secas. Isso significa que para construir um programa ou plano
de convivência é necessário ouvi a população e construir junto, porque essa
construção tem que ser diferente, tem que atender a diversidade existente na
região e que nunca será compreendida de dentro de um gabinete.
Apoiados
pelos ideais de convivência com o semiárido, agricultores e agricultoras veem
suas vidas sendo transformadas socioeconomicamente pela as ações dos Programas
de Formação e Mobilização Social da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA).
Ações estas, que em um contexto de desigualdade social, mostra que é possível reduzir
a desigualdade e está em harmonia com o meio ambiente, valorizar a cidadania e
efetivar a sustentabilidade com a produção agroecológica.
A
agricultura familiar ganhou força e as dificuldades se transformaram em
trabalho que garantem a segurança alimentar e nutricional das famílias, onde
estas passaram a perceber que com pequenas soluções a vida poderia ser mais
farta e próspera. Motivadas pela possibilidade de aumentar sua produção sem
agredir o meio ambiente através de tecnologias sociais como as cisternas de
captação de água para o consumo humano e a produção de alimentos, agricultores
e agricultora comercializam o excedente de sua produção em diversas feiras
agroecológicas espalhadas pelo semiárido, organizam-se em torno de banco de
sementes, onde garantem a preservação de sementes nativas e crioulas, envolvem-se
em processos de formação continuada e debatem gênero e geração em contextos
rurais.
A potencialidade da região agregada a investimentos em políticas publica para o desenvolvimento sustentável são mecanismos para a redução da desigualdade social que simultaneamente irá à contramão da história de “Combate a Seca”. Em um
cenário com inúmeras desigualdades, são também múltiplas as alternativas e estratégias
possíveis para reduzir a desigualdade social. Mulheres e homens portadores de
um vasto saber adquirido a partir da observação aprenderam a arte de conviver,
que os remete a uma relação de profundo conhecimento do outro e respeito pelo
seu modo de ser. Esse conhecimento constrói as melhores técnicas de convivência
que vem garantindo sua permanência na região.
A
Desigualdade Social existente ainda no semiárido brasileiro aos pouco vem sendo
reduzida através da articulação entre estado e sociedade civil organizada.
Apontamos aqui as ações de ambos e reconhecemos que existem pensamentos e
correntes que querem consolidar estas ações com praticas e tecnologias
inovadoras dentro dos espaços de controle social existentes nos 1.133
municípios do semiárido. É importante ressaltar que quando a agricultura
familiar estiver completamente envolvida em projetos de desenvolvimento,
poderemos enfim dizer que vivemos em um semiárido sustentável, solidário e justo.
Sandro Rogério
Coordenador Técnico
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