domingo, 15 de dezembro de 2013

Mudanças Socioeconômicas no Semiárido Brasileiro.

O Semiárido


Segundo dados oficiais do Ministério da Integração, o Semiárido brasileiro abrange uma área de 969.589,4 km² e compreende 1.133 municípios de nove estados do nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe e o norte do estado sudeste de Minas Gerais. Nessa região, vivem 22 milhões de pessoas, que representam 11,8% da população brasileira, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O Semiárido tem a maior parte do seu território coberto pela Caatinga -, único bioma exclusivamente brasileiro -, rico em espécies endêmicas, ou seja, que não existem em nenhum outro lugar do mundo. A composição florística da Caatinga não é uniforme em toda a sua extensão. Apresenta grande variedade de paisagens, de espécies animal e vegetal, nativas e adaptadas. 
  
Outra característica, é o déficit hídrico. Mas, isso não significa falta de água. Pelo contrário, é o semiárido mais chuvoso do planeta. A média pluviométrica vai de 200 mm a 1000 mm anuais, dependendo da região. Porém, as chuvas são irregulares no tempo e no espaço, isso significa que em períodos de inverno (como são chamadas na região a épocas das chuvas), chove em um único mês uma quantidade que poderia ser distribuída em três meses. Além disso, a quantidade de chuva é menor do que o índice de evaporação, que é de 3 mil mm/ano, ou seja, a evaporação é três vezes maior do que a de chuva que cai.  

Essa concentração rebate também na questão da água, apresentando reflexos em diversas dimensões da vida das pessoas. Atualmente 67% das famílias rurais nos estados que compõem o Semiárido não possuem acesso à rede geral de abastecimento de água, sendo que 43% utilizam poços ou nascentes, e 24% utilizam outras formas de acessar a água, que compreendem inclusive, buscas em fontes distantes, com longas caminhadas diárias, para o uso de uma água muitas vezes inadequada ao consumo humano.

Nesse contexto, a dificuldade no acesso à água, que em parte seria resultado do índice pluviométrico e da elevada taxa de evapotranspiração, é consequência, mais do que tudo, de uma política concentradora da água, através da qual uns poucos e privilegiados detêm a posse e uso de quase toda a água do Semiárido, enquanto outros morrem de sede.

Apesar do enorme potencial, o Semiárido é marcado por grandes desigualdades sociais. Segundo o Ministério da Integração Nacional mais da metade (58%) da população pobre do país vive na região. Estudos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) demonstram que 67,4% das crianças e adolescentes no Semiárido são afetados pela pobreza. São quase nove milhões de crianças e adolescentes desprovidos dos direitos humanos e sociais mais básicos, e dos elementos indispensáveis ao seu desenvolvimento pleno.

As contradições e injustiças que ocorrem na região podem ser percebidas na distribuição e no acesso à renda, que refletem também em uma forte desigualdade de gênero. Metade da população no Semiárido não possui renda ou tem como única fonte de rendimento os benefícios governamentais (Bolsa Família). Essa realidade é calculada pelas estatísticas, é o reflexo de milhões de vidas que lutam cotidianamente sem o acesso aos direitos sociais e humanos mais fundamentais.

A Seca

Associado a estas questões está a SECA como principal protagonista. O fenômeno das secas no Semiárido se dá por causas naturais. Historicamente há o primeiro registro de seca feita pelo padre Fernão Cardin em 1583: "…uma grande seca e esterilidade na província e que 5 mil índios foram obrigados a fugir do sertão pela fome, socorrendo-se aos brancos". Desde então a região já enfrentou dezenas de secas, com pequenos períodos (02 anos), ou grandes secas como a de 1979 à 1983 que durou cinco anos e trouxeram como consequência fome e êxodo da população rural que era desprestigiada pela ações governamentais, contando apenas com a intenções da igreja que amenizavam na fé o sofrimento cotidiano.

A seca não é somente um fenômeno ambiental com consequências negativas, trata-se de um problema de distribuição dos recursos naturais, sobretudo da água, mas também sempre causou grande disparidade social. Prova disso nos conta os registros do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca – DNOCS que foi instituído em 1909 com o objetivo de construir grandes obras de enfrentamento à seca para garantir água a todos/as da região chamada de Polígono das Secas e que no exercício da má distribuição “premiava” com a até 70% do orçamento da obra, fazendeiros e prefeitos que solicitavam essas obras em suas propriedades.
Conhecidos como “Os Industriais da Seca” esses se utilizam da calamidade para conseguir mais verbas, incentivos fiscais, concessões de crédito e perdão de dividas valendo-se da propaganda de que o povo estava morrendo de fome.

Junto à isto, está o voto de cabresto, no qual as verbas vindas em prol da seca são desviadas e usadas pelos "Industriais da Seca", para compra de votos, fazendo com que seus trabalhadores  votem no político o qual lhe repassou o recurso. Essa "indústria" aumentou ainda mais as disparidades entre proprietários e trabalhadores rurais. Essa situação serviu para preservar o coronelismo e muitas vezes reforçar o clientelismo. Algumas soluções para à seca foram formuladas, entretanto, têm-se interesse na continuidade do problema, para que a população continue apoiando os políticos através da  venda de votos.

Convivência com o Semiárido Brasileiro.

Nadando contra a maré, a sociedade civil organizada atuante no meio rural, empenha-se em uma proposta de sustentabilidade social e preservação ambiental. A estratégia tem sido defendida por aqueles e aquelas que rejeitam a ideia da inviabilidade da região e postulam a convivência com o semiárido como alternativa à estratégia de combate a seca, considerando o ambiente a partir dos seus agroecossistemas e tendo como principais protagonistas os/as agricultores/as familiares.

Nesse sentido, surge a necessidade de debater efetivamente a reforma agrária, o fomento e o estímulo ao desenvolvimento de tecnologias sociais para o manejo dos recursos hídricos e alimentos (além das políticas ineficientes e inadequadas em irrigação), bem como o estímulo a uma produção agropecuária contextualizada e apropriada ao ecossistema local. Também parece ser necessário rever os aspectos normativos, o perfil político e tecnoburocrático das instituições e agentes que gerenciam as políticas públicas na região do semiárido.

A construção da proposta de convivência com o semiárido tem sua gênese nas iniciativas dos sindicatos de trabalhadores/as rurais, nas organizações não governamentais, nas associações e cooperativas de base rural e nas igrejas católicas e evangélicas,  essas veem desenvolvendo projetos nas áreas de recursos hídricos, produtivas e socioculturais desde a década de 1970. A proposta ganhou impulso significativo em 1999, com o surgimento da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), com a missão de fortalecer a sociedade civil na construção de processos participativos para o desenvolvimento sustentável e a convivência com o Semiárido referenciados em valores culturais e de justiça social.

  
Fruto dessa articulação, foram formulados e estão sendo implementados os Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC) e Uma Terra e Duas Águas (P1+2). Com a participação da sociedade civil e a articulação de diferentes órgãos e esferas governamentais, esses programas veem estabelecer um processo de mobilização e capacitação das famílias, abordando questões de convivência com o semiárido como, gerenciamento de recursos hídricos, segurança alimentar e nutricional, cidadania, relações de gênero, raça e etnia, e estocagem para ração animal. Essa iniciativa pretende garantir o acesso à tecnologias sócias de captação e armazenamento de água de chuva.

A valorização da captação e armazenamento adequado da água de chuva é apenas o início de uma mudança cultural que se pretende construir na região. Embora tenha mais espaço entre organizações da sociedade civil, a perspectiva da convivência com o semiárido começa a perpassar programas governamentais e torna-se leis de políticas publicas. Percebe-se, no entanto, que a institucionalização do discurso da convivência ainda não foi suficiente para promover as mudanças efetivas na intervenção governamental naquela realidade. Apesar da abertura ao debate sobre alternativas para convivência, o governo demonstra, muita vezes, maior interesse com as alternativas de racionalização dos custos dos programas governamentais na região do que com a efetiva implementação de ações inovadoras.

Mesmo assim ações estruturantes veem sido solicitadas junto aos governos nas esferas federal e estaduais que timidamente vem sendo atendidas, porém com um caráter emergencial de Combate a Seca. Os programas e políticas governamentais ainda não conseguem conceber e não adotam o conceito de convivência. Nunca construíram um programa ou plano de convivência que anteceda as causas naturais provocadas pelas secas. Isso significa que para construir um programa ou plano de convivência é necessário ouvi a população e construir junto, porque essa construção tem que ser diferente, tem que atender a diversidade existente na região e que nunca será compreendida de dentro de um gabinete.

Apoiados pelos ideais de convivência com o semiárido, agricultores e agricultoras veem suas vidas sendo transformadas socioeconomicamente pela as ações dos Programas de Formação e Mobilização Social da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA). Ações estas, que em um contexto de desigualdade social, mostra que é possível reduzir a desigualdade e está em harmonia com o meio ambiente, valorizar a cidadania e efetivar a sustentabilidade com a produção agroecológica.

A agricultura familiar ganhou força e as dificuldades se transformaram em trabalho que garantem a segurança alimentar e nutricional das famílias, onde estas passaram a perceber que com pequenas soluções a vida poderia ser mais farta e próspera. Motivadas pela possibilidade de aumentar sua produção sem agredir o meio ambiente através de tecnologias sociais como as cisternas de captação de água para o consumo humano e a produção de alimentos, agricultores e agricultora comercializam o excedente de sua produção em diversas feiras agroecológicas espalhadas pelo semiárido, organizam-se em torno de banco de sementes, onde garantem a preservação de sementes nativas e crioulas, envolvem-se em processos de formação continuada e debatem gênero e geração em contextos rurais.

A potencialidade da região agregada a investimentos em políticas publica para o desenvolvimento sustentável são mecanismos para a redução da desigualdade social que simultaneamente irá à contramão da história de “Combate a Seca”. Em um cenário com inúmeras desigualdades, são também múltiplas as alternativas e estratégias possíveis para reduzir a desigualdade social. Mulheres e homens portadores de um vasto saber adquirido a partir da observação aprenderam a arte de conviver, que os remete a uma relação de profundo conhecimento do outro e respeito pelo seu modo de ser. Esse conhecimento constrói as melhores técnicas de convivência que vem garantindo sua permanência na região.
   

A Desigualdade Social existente ainda no semiárido brasileiro aos pouco vem sendo reduzida através da articulação entre estado e sociedade civil organizada. Apontamos aqui as ações de ambos e reconhecemos que existem pensamentos e correntes que querem consolidar estas ações com praticas e tecnologias inovadoras dentro dos espaços de controle social existentes nos 1.133 municípios do semiárido. É importante ressaltar que quando a agricultura familiar estiver completamente envolvida em projetos de desenvolvimento, poderemos enfim dizer que vivemos em um semiárido sustentável, solidário e justo.

Sandro Rogério
Coordenador Técnico

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Celebração: mais 10 mil famílias com tecnologias para produção de alimentos

Por Catarina de Angola (ASACom)


Primeira cisterna-calçadão realizada em 2013 com patrocínio da Petrobras.
Foto: Vlademir Alexandre | ASACom
A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) celebra a marca de mais 10 mil tecnologias sociais de captação e armazenamento de água da chuva construídas no Semiárido pelo Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) com o patrocínio da Petrobras, através do Programa Petrobras Desenvolvimento & Cidadania. Resultado alcançado seis meses após o início do projeto, que prevê a construção de 20 mil tecnologias até maio de 2014. Desde que surgiu, em 2007, o P1+2 já implementou mais de 35 mil tecnologias em todo o Semiárido brasileiro.

“Destaco a importância desse contrato com a Petrobras, pois amplia nosso leque de parcerias e apoios. E amplia também o número de organizações que apostam na perspectiva de convivência com o Semiárido que a gente acredita”, pontua Cristina Nascimento, coordenadora da ASA pelo estado do Ceará. 

As primeiras tecnologias do P1+2 realizadas através desse patrocínio foram inauguradas em julho deste ano, no Rio Grande do Norte. De lá para cá, as 65 organizações da ASA que executam a ação em todos os estados da região semiárida implementaram quatro tipos de tecnologias: cisternas-calçadão, cisternas-enxurrada, barreiros-trincheira e barragens subterrâneas. Todas elas estocam água da chuva para a produção de alimentos e criação de animais.

“A cada novo parceiro, a gente tem a possibilidade de ampliar o processo produtivo, a capacidade de produção de alimentos, a segurança alimentar e a comercialização dessas famílias. Isso tudo tem um impacto grande na dinâmica do Semiárido. Quando a gente imagina que em seis meses conseguimos executar 10 mil implementações, são 10 mil famílias que estão preparadas para estocar água do próximo inverno”, coloca Cristina.  

A execução do P1+2 não se restringe apenas a construção das tecnologias. Existe um processo de mobilização das comunidades e de capacitação das famílias e dos/as pedreiros/as. Além disso, envolve intercâmbios entre agricultores e agricultoras, a participação deles/as em encontros e atividades de troca de conhecimentos e a sistematização de experiências. 

A formação de bancos de sementes também compõe a estratégia de estocagem  do P1+2,  o que possibilita a organização coletiva das comunidades para que possam guardar suas sementes e usá-las nas épocas de plantio. Com isso, agricultores e agricultoras passam a ter autonomia sobre o que plantar e quando plantar, não ficando dependentes das sementes distribuídas pelo governo, que não são adaptadas a região. “A ação do P1+2 é uma ação integrada. Você tem a água, tem a semente e autonomia sobre o seu processo produtivo”, destaca Cristina.  

Toda essa ação é baseada na troca de conhecimento de agricultores e agricultoras. E os intercâmbios de experiências e encontros que o P1+2 promove fortalecem essa troca. “O central da ação da ASA não é tecnologia, mas são os agricultores. A valorização do saber de homens e mulheres, a valorização dessas experiências”, destaca Cristina. Esses momentos de troca possibilitam a partilha de saberes e as formas de se conviver com o Semiárido. Os encontros e intercâmbios mostram que os agricultores/as têm estratégias para esses momentos, pois são conhecedores da região e do clima que vivem. E as tecnologias que guardam água da chuva, os bancos que guardam as sementes, e as diversas outras formas de estocagem são umas das estratégias mais importantes para a vida e produção na região semiárida.

Além das 10 mil tecnologias construídas nesses seis meses, as organizações da ASA executoras desse contrato de patrocínio já cadastraram 95% das famílias previstas para receberem as tecnologias e cerca de 90% das implementações já estão com fornecedores contratados para a entrega dos materiais. Até maio de 2014, as 20 mil tecnologias devem estar finalizadas, o que significa que cerca de 100 mil pessoas no Semiárido terão a possibilidade de guardar água para dinamizar sua produção. No total serão 10 mil cisternas-calçadão, 6.450 cisternas-enxurrada, 3.330 barreiros-trincheira e 250 barragens subterrâneas. 

“Ampliamos nossa capacidade de execução, mas, além disso, ampliamos a capacidade de monitoramento e fortalecemos nossa prática de rede. Também continuamos nossa ação com autonomia dos processos políticos e metodológicos e isso é importante porque nos dá força”, finaliza Cristina. 

Além do patrocínio da Petrobras, o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) conta com a parceria do governo federal, através do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Poesia da Semana

Por José tenório dos Santos
Zé de Ló

VIRGEM MÃE

O GRANDE DESAFIO
É A SUSTENTABILIDADE
EDUCAR A HUMANIDADE
PARA TER O AMBIENTE SADIO
A TERRA NO CIO
OBSTÁCULOS TRANSPÕE
A CAATINGA SE RECOMPÕE
CONSERVA-SE PARA ETERNIDADE
NÃO PRECISA PERDER A VIRGINDADE
PARA SER MÃE

SERTANEJO CABRA MACHO
A NATUREZA É MENINA
QUEM DESVIRGINA A CAATINGA
AGRIDE OS RIACHOS
DEIXA O SERTÃO CABISBAIXO
A HUMANIDADE SEM BRIO
O PLANETA JUVENIL
SE AFOGANDO EM MÁGOAS
SEM A PUREZA DAS ÁGUAS
E O FUTURO DOS RIOS